Grandes times - Parte III: Brasil de 1982

Slave salve galera que nos acompanha aqui no blog, sejam mais uma vez bem-vindos. Hoje estamos encerrando a nossa trilogia sobre as equipes que encantaram o mundo, sem ganhar a Copa. Semana passada falamos da Hungria de 1954 e Holanda de 1974, agora chegou a vez do Brasil de 1982.

(O esquadrão de 1982 - foto: retirada da internet)

Um time que encantou pelo futebol jogado. Ao contrário da Hungria e Holanda. o Brasil não apresentou nenhuma novidade tática, porém, a equipe tinha muito talento: a base do time titular era o Flamengo, na época atual campeão da Libertadores e Mundial. Os laterais Leandro e Júnior, além do fora de série Zico, se juntaram aos mestres Falcão, Cerezo e Sócrates. Muitos apontam a ausência de centroavantes como Careca e Reinaldo, que estavam machucados e deram lugar ao limitado Serginho Chulapa. 

(Desenho tático da seleção - talvez tenha faltado um volante mais marcador. Foto: retirada da internet)

A defesa era boa, com Oscar e Luizinho, porém, era criticada pelas falhas (não podemos culpar somente o setor defensivo, o time tinha apenas um volante de marcação, que era Cerezo), além do goleiro, Waldyr Peres que era também bastante questionado. Outro questionamento da torcida era com relação ao esquema tático, o Brasil jogava num 4-1-2-1-2 e o clamor era para que o técnico Telê Santana adotasse o 4-3-3, com um ponta direita por ali, o nome do jovem Renato Portaluppi era pedido. Havia até uma campanha feita pelo comediante Jô Soares em seu programa (Viva o Gordo) em que ele tinha um bordão: "Bota um ponta, Telê".

(Até Jô Soares pedia um ponta na seleção - YouTube)

Alheio a essas questões, a equipe do meio para a frente jogava bonito, encantou o mundo e foi a última grande que deixou os torcedores e imprensa frustrados por não conquistar a taça. Com um alto índice de passes, a derrota para a Itália que não vinha bem, mas que a partir dali cresceu muito, vindo a ser a campeã, acabou sepultando o futebol-arte, não só na história da seleção brasileira, mas do futebol (quase que de) maneira geral. Felizmente temos entre nós um tal de Guardiola, que fez do Barcelona recentemente uma equipe que encantou pelo futebol jogado e com resultados. E ele sempre ressaltou que se inspirou neste time de 1982. Este é o maior legado deste time. 

Há mais diferenças entre o Brasil de 1982 e a Hungria de 1954 e a Holanda de 1974: as duas seleções europeias foram vice-campeãs perdendo para a mesma Alemanha e ambas chegaram a estar ganhando suas partidas na final, sofrendo a virada. Já o Brasil acabou eliminado "apenas" na segunda fase, porém, todas as três perderam para as campeãs. Vamos explicar, nesta edição, a FIFA havia aumentado o número de seleções de 16 para 24 e a fórmula de disputa foi alterada. Eram 6 grupos de 4 equipes na primeira fase, onde os 2 primeiros passavam para a fase seguinte. Nesta fase, eram 4 grupos de 3 times e apenas o campeão de cada grupo avançava. 

Mas por quê este time encantou tanto se "não foi assim tão longe"? Porque dava gosto de ver esse time jogar e a derrota na "Tragédia de Sarriá (o nome do antigo estádio do Espanyol, em Barcelona, que acabou sendo demolido em 1997)" foi uma partida atípica, em que a Itália foi mais eficaz, aproveitando-se dos erros do sistema defensivo brasileiro e fez o resultado.

A trajetória começou em 1981, nas eliminatórias da COMENBOL. O Brasil teve um sorteio bastante generoso, tendo como adversários as fracas seleções da Venezuela e Bolívia. Naquela edição, eram apenas 9 seleções buscando a vaga, já que a Argentina era a atual campeã e tinha a vaga garantida na Espanha. Os resultados foram os seguintes:

08/02/1981 - Venezuela 0x1 Brasil
22/02/1981 - Bolívia 1x2 Brasil
22/03/1981 - Brasil 3x1 Bolívia
29/03/1981 - Brasil 5x0 Venezuela

(Brasil x venezuela, pela última rodada das eliminatórias. Imagem: YouTube)

Assim, com 100% de aproveitamento, o Brasil garantiu a vaga (só o campeão de cada grupo avançava à Copa). Ai, o caro leitor pode perguntar: de onde surgiu o favoritismo do Brasil para 1982? Simples, após a classificação, a seleção fez uma excursão à Europa de onde voltou com três vitórias em três jogos: vitória de 1 a 0 sobre a Inglaterra em Wembley (seria a primeira vitória da seleção no lendário estádio); Vitória sobre a França por 3 a 1 em Paris e por fim, vitória sobre a Alemanha por 2 a 1, em Stuttgart. Neste jogo, o goleiro Waldyr Peres acabou pegando dois pênaltis, o que lhe valeu não só a convocação para a Copa, bem como o status de titular.

Seleção convocada, era a hora de partir para a Espanha, onde os adversários da primeira fase seriam União Soviética, Escócia e Nova Zelândia. Um grupo teoricamente fácil, onde a maior dificuldade seria a seleção soviética. 

E de fato, a União Soviética foi a equipe que mais deu trabalho ao Brasil. Em 14/06/1982, em Sevilla, a seleção canarinho estreou com vitória de virada por 2 a 1. E que sufoco! Bal abriu o marcador para os soviéticos aos 34, numa falha imperdoável do goleiro Waldyr Peres, mas no segundo tempo, Sócrates aos 75 e Éder num chutaço, aos 88, deu números finais. A equipe soviética foi prejudicada por dois pênaltis claros não marcados pela arbitragem. A tensão da estreia havia sido superada.

(Aqui podemos assistir aos gols da vitória do Brasil por 2 a 1 sobre a URSS: YouTube)

A segunda partida seria contra a Escócia, em 18/06/1982 na mesma cidade de Sevilla, E o que parecia ser um jogo fácil, de certa forma até foi: vitória por 4 a 1, porém, novamente de virada. Narey abriu a contagem aos 18 minutos, Zico empatou aos 33, Oscar virou aos 48, Éder aos 63 ampliou e Falcão aos 87 deu números finais ao embate. Era uma seleção que jogava um futebol vistoso, porém, fazia a torcida sofrer: ainda não havia virado o primeiro tempo vencendo e fazia gol sempre no final.

(Os gols da vitória sobre a Escócia por 4 a 1 - YouTube)

A classificação estava garantida, pois URSS e Escócia que poderiam chegar aos mesmos 4 pontos que o Brasil duelariam e somente uma poderia sair vitoriosa. Então era a hora de fazer um treino oficial contra a fraquíssima seleção da Nova Zelândia. Em 23/06/1982, novamente na cidade de Sevilla, o Brasil passeou: 4 a 0 com dois gols de Zico (aos 28 e aos 31), sendo o primeiro dele, um golaço de voleio. No segundo tempo, Falcão aos 19 e Éder aos 25 dariam números finais ao confronto.

(Passeio brasileiro sobre a Nova Zelândia por 4 a 0 - YouTube)

Garantida a primeira colocação no Grupo F, era hora de trocar de sede. O Brasil deixava Sevilla e partiria para Barcelona, onde todas as partidas seriam disputadas. E era a hora de provar o seu valor, pois o grupo era da morte, o único com 100% de equipes campeeãs. Itália e Argentina haviam ficado em 2º em seus grupos, tendo a Azurra se classificado a duras penas, com três empates. O Brasil assistiu em 29/06/1982 a primeira vitória da Itália naquela Copa. 2 a 1 sobre a Argentina.

Em 02/07/1982, o Brasil ganhava e eliminava a Argentina pelo escore de 3 a 1. Zico aos 11, Serginho finalmente desencantava aos 66 e Júnior aos 75 fizeram os gols. A Argentina descontaria com Díaz aos 89. A diferença de dois gols dava ao Brasil o direito de jogar pelo empate contra a Itália. E em 1950, a vantagem do empate não fora bem aproveitada pelo mesmo Brasil, num Maracanã com 200 mil pessoas.

(Vitória sobre os atuais campeões, os argentinos - YouTube)

E em 05/07/1982, a "Tragédia do Sarriá": o Mundo viu Paolo Rossi, que voltava de suspensão um ano antes por escândalo de manipulação de resultados no campeonato italiano e que não havia marcado nenhum gol na Copa até o momento, marcar os três gols da vitória por 3 a 2 sobre o Brasil, que esteve sempre atrás no placar, mas chegou a empatar por duas oportunidades. Sócrates aos 12 e Falcão aos 68 fizeram os gols. A Itália ainda teria feito o quarto gol, mas mal anulado pela arbitragem e no final do jogo, um cabeceio do zagueiro Oscar que teria destino certo (o gol e a vaga na semifinal) foi milagrosamente salva pelo goleiro Dino Zoff, defesa esta que ele afirma que "foi a mais importante de sua carreira". O Brasil teve também um pênalti não marcado, quando Gentile simplesmente rasgou a camisa de Zico dentro da pequena área, ainda no primeiro tempo.

(Gols da partida em que a Itália bateu o Brasil por 3 a 2 na "Tragédia do Sarriá" - YouTube)

Terminada a partida, o mundo olhava com total descrença no que havia acabado de acontecer. Todos faziam a mesma pergunta: como o Brasil perdeu esta Copa? É uma soma de vários fatores: erros individuais de Cerezo dando passe errado no segundo gol e Júnior dando condições a Paolo Rossi no terceiro gol, tarde inspirada da Itália e de seu artilheiro que acordou ali, fez mais três gols e seria artilheiro daquela Copa, erros na estratégia adotada por Telê Santana. Muitos cronistas dizem que o aquele Brasil se jogasse dez jogos contra esta Italia venceria os outros nove. Mas perdeu o único jogo que aconteceu. Um jogo em que, como em 1950, o empate bastava. Também conta o tabu de que a única seleção não-europeia que venceu uma Copa no "Velho Continente" foi o Brasil de 1958, que tinha uns tais de Pelé e Garrincha. Nunca outra seleção conseguiu igualar tal feito.

Em 1986, alguns dos jogadores voltariam a disputar a Copa do México, mas já era uma seleção envelhecida e o próprio Telê Santana havia abandonado o futebol ofensivo. Zico, que vinha de operação no joelho, entrou em campo apenas contra a França, perdendo pênalti no tempo normal.

Telê Santana, que pegou fama de pé-frio, teve uma nova chance, com o São Paulo na primeira metade da década de 1990, quando foi bicampeão da Libertadores e bicampeão mundial (92/93), além de vice-campeão da Libertadores de 1994.

(Telê Santana. De pé-frio à fama de melhor treinador de todos os tempos; Foto: retirada da internet)

Zico continuou rei no Flamengo, fez uma escala antes em Udine onde se tornou ídolo da Udinese e voltou ao Fla, antes de desenvolver o futebol no Japão e se tornar rei por lá também; Sócrates, Falcão, Cerezo, Éder, Leandro, Júnior e os demais seguiram suas brilhantes carreiras. Faltou somente a Copa do Mundo, como faltou à Ferenc Puskas em 1954 e a Johan Cruyff em 1974. O jornalista Armando Nogueira certa vez minimizou a perda da Copa de 1982, palavras do mestre: "Zico não ganhou uma Copa? Azar o da Copa".
(Zico em 1982. Atleta era o maior jogador da atualidade. Foto: retirada da internet) 


O Brasil, como todos sabem, seria campeão em 1994 e 2002, além de ser vice-campeão em 1998. Teve um excelente time em 2006, que contava com os dois Ronaldos, Kaká e Adriano (o chamado "Quadrado Mágico"), mas esta derrota faria com que fosse decretada a morte do futebol arte. O futebol pragmático se tornaria tendência e hoje em dia, poucos são os times que jogam realmente para frente. A tragédia em 1982 só é superada na história do futebol pentacampeão pelo "Maracanazzo" em 1950 e pelo 7 a 1 em 2014.

De 1986 pra cá, tivemos até algumas boas surpresas, como a "Dinamáquina" de 1986, a alegria e ingenuidade do futebol ofensivo de Camarões em 1990, o futebol ofensivo da Romênia e a genialidade de Stoichkov na Bulgária em 1994, a boa surpresa da seleção da Croácia em 1998, Senegal em 2002 repetindo a alegria e ingenuidade de Camarões, Portugal comandado por Felipão em 2006, o Uruguai de Cavani, Suárez e Forlán em 2010, a Colômbia de James Rodriguez em 2014 e por fim, a Bélgica de Lukaku, De Bruyne e Hazard neste ano. Bons times, mas nenhum igual à esta trinca que apresentamos aqui.

Mas fica registrada a nossa homenagem a este time que jogou muito, fez a alegria dos amantes de futebol, porém, os deuses do futebol não permitiram que não só o Brasil de 1982, mas a Hungria de 1954 e a Holanda de 1974 fossem campeões. São times que muitos de nós não vimos jogar, mas que estão registrados na história. E a função do blog é manter viva a história dos grandes times, independente de terem ganho a Copa, todas elas ganharam nossos corações.

(Os nossos heróis. Imagem: álbum de figurinhas oficial da Copa de 1982)

É isso ai, pessoal. Vamos ficando por aqui. Agradeço a visita, a leitura e espero que tenham gostado. Aguardo vocês na sexta-feira com mais uma postagem sobre história das Copas. Até lá!

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